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Três histórias de Vitorino
6 de agosto de 2009 Nos primeiros três minutos de seu discurso no Senado, José Sarney agradeceu a colaboração de Heráclito Fortes em sua gestão, elogiou o “governo excepcional” de Lula, e disse que “houve um tempo nesse Senado, em que minha vida era ameaçada todo dia pelo senador Vitorino Freire, que foi um grande inimigo que tive - e político”.
Nos anos 70, o jornalista Sebastião Nery editou três livros com histórias do ‘Folclore Político’ do país. São deles as três histórias que se seguem e que falam de Vitorino, liderança do antigo PSD.
1. Vitorino estava em casa com gripe e muita febre. Recebeu telegrama do Senado (então no Monroe, ali na Cinelândia) para ir urgente a uma reunião da Comissão de Finanças, que dependia de sua presença. Lá fora, chovia pra valer.
Agasalhou-se, pôs sueterm cachecol, capa, chapéu e saiu para pegar um táxi. Não vinha táxi. Entrou numa farmácia para tomar injeção. Quanto tirou a capa e o paletó, apareceu o revólver. Ia passando uma radio-patrulha, viu, parou, chamou-o:
- O senhor é policial?
- Não.
- É tesoureiro?
- Não.
- É caixa?
- Não.
- Tem porte de arma?
- Também não.
- Então o senhor vai ter que ir até o comando da polícia.
Vitorino entrou na RP e eles tocaram para a cidade. Quando chegou na Cinelândia, falou grosso:
- Pára aí que vou saltar.
- Não, o senhor vai até o comando.
- Comando coisíssima nenhuma. Vou é para o Senado. Sou o Senador Vitorino Freire.
- Por que o senhor não avisou antes?
- Porque estava precisando de uma carona, e não tenho preconceito contra automóveis. Rodou, serve.
2. José Sarney ia ser ministro de Jango, representando a Bossa Nova da UDN. Tudo combinado, houve reunião da direção nacional do partido para dar sinal verde. Djalma Marinho, do Rio Grande do Norte, não concordou:
- Ministro de Jango, só deixando a UDN.
Mesmo assim, no dia seguinte, Carlos Castello Branco informava em sua coluna:
- “Sarney só não será ministro se Vitorino Freire vetar junto a Jango”.
Vitorino telefonou para Castello:
- Olhe, Castello, eu faço política em cima da fivela. Não sou do PTB nem da UDN. Se o galho não é meu, não tenho nada com o macaco. O doutor Sarney pode até ser ministro da Guerra do doutor Jango.
A UDN recuou. Jango também.
3. Vitorino Freire, filósofo do Maranhão:
* Quando o pasto pega fogo, préa cai no brejo.
* O risco que corre o pau, corre o machado.
* Não quero que ajudem meu roçado. Só quero que os bois do vizinho não entre nele.
* O Sarney não conhece o tamanho do meu roçado. De um lado da cerca eu grito e ele não ouve do outro lado.
* Política no Maranhão é um bumba-meu-boi que não sai sem mim.
De Arinos para Sarney
5 de agosto de 2009O jornalista Élio Gaspari publica hoje na ‘Folha’ e no ‘Globo’ o seguinte artigo:
“José,
Renuncie, homem. Aqui somos três a pedi-lo. Eu, o Milton Campos e o Pedro Aleixo, três amigos, velhos companheiros a quem você admirava com sorriso encantado quando chegou à Câmara, em 1959, aos 29 anos.
Todos três passamos por momentos em que nos enganamos quando as circunstâncias se confundiram com a existência. Na renúncia do Jânio eu era ministro das Relações Exteriores e deveria ter defendido, desde o primeiro momento, a posse do doutor João Goulart. Em 1964, diante dos primeiros casos comprovados de tortura, o Milton deveria ter renunciado ao Ministério da Justiça. O Pedro Aleixo reconhece que naquela reunião que editou o AI-5 ele devia ter devolvido a Vice-Presidência. Um ano depois, apearam-no. Nos três casos, as circunstâncias indicavam que devíamos fazer o que fizemos.
Confundidos, pensávamos que não havia opção melhor. Você sabe que a modéstia nunca foi um
dos meus atributos: não percebemos quão grandes éramos.
Com justos motivos você avalia suas opções levando em conta o que diz o presidente Lula, o apoio do senador Renan Calheiros e até mesmo a agressiva defesa representada por Fernando Collor. Você pensa até no PMDB. Tudo circunstancial. Em 1988, Lula te chamou de “incapaz” cinco vezes em 43 segundos. O que haveria de pensar o jovem José Sarney se visse a mim, ao Milton e ao Pedro almoçando no Bife de Ouro com o Tenório Cavalcanti e o Amaral Neto? Claro que pouca gente sabe quem são esses dois (nem estamos aqui para reapresentá-los). Assim como os jovens de hoje não lembram o que foi a UDN, os de amanhã não lembrarão o que foi o PMDB.
Renuncie, homem. Saia desse contratempo e carregue seus penares. A crise é sua, mas a essa altura ela interessa aos outros. Ao Lula convém um Congresso desmoralizado. Aos aliados do PMDB interessa mostrar que têm os poderes dos embalsamadores. Fuja do sarcófago.
Censurar jornal, José? Chantagear o Pedro Simon, Sarney? Esse não é nosso patrimônio. O presidente que ficou impassível enquanto seu ônibus era apedrejado e riscou com o traço da bonomia sua passagem pela vida pública está se apedrejando.
Orgulhamo-nos da tua alvorada. Não compartilhe o crepúsculo com os senadores Calheiros e Collor. O Antonio Carlos Magalhães diz que isso é feitiço de um certo Bita do Barão, com seus tambores de Codó.
Milton Campos e Pedro Aleixo pediram-me que escrevesse porque insistem em lembrar a qualidade do meu discurso de 9 de agosto de 1954. Até hoje sofro por esse ataque ao Getúlio Vargas. Não que devesse poupá-lo, mas padeço pelo que sucedeu 15 dias depois. (Ele evita encontrar comigo, nunca me dirigiu a palavra e, na chegada do d. Helder Câmara, negou-me a mão.) Sei que você memorizou trechos dessa fala e sei que você jamais viu malícia na minha alma.
Como o Pedro e o Milton insistiram ao ponto da impertinência, repito-me:
“Senhor presidente Getúlio Vargas, eu lhe falo como presidente (…) tome afinal aquela deliberação, que é a última que um presidente, na sua situação, pode tomar. (…) E eu falo ao homem Getúlio Vargas e lhe digo: lembre-se da glória de sua terra (…) lembre-se homem, pelos pequeninos, pelos humilhados, pelos operários, pelos poetas”.
Com as recomendações de Annah e os votos pela recuperação de Marly, deixa-lhe um abraço e a certeza da amizade, o seu,
Afonso”